O Rio Grande do Norte é o estado líder em produção de energia eólica no Brasil. Segundo a Secretaria de Desenvolvimento Econômico estadual, há 224 empreendimentos em operação na região, com capacidade de produzir até 6,8 GW. Há ainda 63 parques eólicos em construção e 85 já contratados. A previsão nos próximos anos é de produzir 12,2 GW em 372 parques. Quando analisamos esse produção de energia identificamos que 10 municípios concentram 76% da geração eólica no estado e 84% dos parques.
Além das eólicas onshore (em terra), o Rio Grande do Norte, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) recebeu 14 pedidos de licenciamento para a instalação de complexos eólicos offshore, previstos para entrar em funcionamento a partir de 2030, que concentram-se no Litoral Norte Potiguar
Nos esforços de identificar os impactos que essa iniciativa teria nos modos de vida das comunidades tradicionais pesqueiras, o Assessoria Cirandas, por meio do seu Programa Dragão do Mar e contando com a parceria da Conselho Pastoral dos Pescacadores, realizou o levantamento das áreas utilizadas pelas comunidades tradicionais pesqueiras para habitação, desenvolvimento de atividades produtivas, preservação, abrigo e reprodução das espécies e de outros recursos necessários à garantia do seu modo de vida, bem como à sua reprodução física, social, econômica e cultural, de acordo com suas relações sociais, costumes e tradições, incluindo os espaços que abrigam sítios de valor simbólico, religioso, cosmológico ou histórico.
A metodologia utilizada para realizar esse levantamento foi a Cartografia Social do Mar, que contou com o suporte técnico da LOBCARD-UFC, sendo realizada nos territórios pesqueiros sinalizados como áreas de interesse dos seguintes projetos: Pedra Grande – empresa Haliade-X – Potência 624 MW, Maral – empresa Ventos do Atlântico – Potência 2 GW, Alísios Potiguares – empresa Bosford Participações – potência 1,8 GW, Ventos Potiguar – empresa Internacional Energias – potência 2,4 GW, Beta – empresa Beta Wind Energias Offshore Spe – potência 3 GW, Água Marinha – empresa Bluefloat Energy do Brasil Ltda – Potência 1,7 GW, Cattleya – empresa Bluefloat Energy do Brasil Ltda – potência 1,1 GW, Projeto Galinhos – empresa Shell Brasil Petróleo Ltda – Potência 3 GW, Ventos do Caiçara – Empresa Monex Geração de Energia S.A. – potência 1.9 GW, Sítio de Testes Senai – empresa SENAI/RN – potência 22 MW, Costa Branca I – empresa Petróleo Brasileiro S.A. – Petrobras – potência 1.4 GW, Costa Branca II – empresa Petróleo Brasileiro S.A. – Petrobras – potência 2.1 GW, Ginga – empresa Petróleo Brasileiro S.A. – Petrobras – Potência 1 GW, Sopros do Rio Grande do Norte – empresa.
A construção das cartografias sociais se deu por meio de uma metodologia participativa, em que os pescadores e pescadoras espacializaram suas áreas de uso, tanto na costa quanto no mar. Isso foi alcançado por meio de sinalização no mapa e georreferenciamento das suas rotas e áreas de pesca, incluindo a identificação do tipo de pescado encontrado em cada local. Este processo não apenas destacou as áreas de importância crítica para a pesca artesanal, mas também serviu para registrar e validar os conhecimentos tradicionais das comunidades pesqueiras.
Esse processo revelou que muitas das áreas de interesse das empresas para instalação de complexos eólicos sobrepõem-se a várias áreas de pesca vitais para a manutenção da atividade pesqueira artesanal. Esta sobreposição aponta um grande indício de colocar em risco a segurança alimentar e econômica de mais de 2.000 pescadores e pescadoras artesanais, ao limitar o acesso a espaços tradicionalmente utilizados para a pesca e potencialmente reduzir a disponibilidade de recursos pesqueiros, devido à necessidade de gerar áreas de exclusão ao redor dos complexos eólicos offshore.
Cruzando os achados das cartografias com estudos já realizados, levantamos que um aspecto relevante é a alteração na dinâmica natural do ecossistema marinho. Segundo um estudo publicado na revista "Marine Environmental Research" (2018), as estruturas das eólicas offshore podem afetar as correntes marítimas e os padrões de sedimentação. Isso, por sua vez, pode alterar os habitats locais, afetando a biodiversidade marinha. Por exemplo, as bases das turbinas podem funcionar como recifes artificiais, atraindo certas espécies enquanto deslocam outras, o que altera a composição das comunidades biológicas locais.
Outra questão é o impacto na navegação e nas atividades pesqueiras. Um estudo conduzido pela "Fisheries Research" (2020) destaca que as áreas ocupadas por parques eólicos podem limitar o acesso às zonas de pesca tradicionais, alterando rotas de navegação e potencialmente aumentando os custos operacionais para os pescadores. Adicionalmente, o ruído gerado pela construção e operação das turbinas pode afetar espécies sensíveis ao som, impactando comportamentos essenciais como a comunicação, a alimentação e a reprodução.
Os custos para a realização da pesca podem aumentar devido à necessidade de deslocamento para áreas de pesca mais distantes e a potenciais reduções nas capturas. Segundo um relatório da "Ocean & Coastal Management" (2019), as comunidades pesqueiras podem enfrentar dificuldades econômicas se as áreas próximas aos parques eólicos se tornarem menos produtivas ou inacessíveis.
Por fim, as áreas de exclusão em torno dos parques eólicos podem efetivamente reduzir o volume de peixe disponível para a pesca. Embora possam criar "zonas de refúgio" para a vida marinha, a exclusão das atividades pesqueiras nessas áreas precisa ser cuidadosamente gerenciada para evitar impactos socioeconômicos adversos nas comunidades dependentes da pesca.
Neste sentido, é fundamental que a implementação de projetos de energia renovável no mar, como as eólicas offshore, seja acompanhada por estudos de impacto ambiental detalhados e por uma discussão sobre o ordenamento costeiro e marinho que dê voz às comunidades tradicionais pesqueiras, garantindo os direitos das comunidades locais. Para tanto, a Cartografia Social do Mar emerge como uma ferramenta valiosa para envolver essas comunidades no processo de planejamento e garantir que suas vozes sejam ouvidas, promovendo a participação destas comunidades na gestão dos recursos marinhos e costeiros e na defesa dos seus territórios tradicionais pesqueiros.
As Cartografias Sociais dos Territórios Pesqueiros de Enxu Queimado, Galinhos, Macau, Reserva Ponta do Tubarão, Dunas do Rosado e Guamaré não são um instrumento de denúncia, mas sim um instrumento de autodemarcação que convoca os governos, o setor de energia, pesquisadores e movimentos sociais a buscar formas de produzir energia renovável sem comprometer a existência de comunidades tradicionais, para tantos entres os 19 a 22 de março, o Assessoria Cirandas, juntamente com outras organizações e Comunidades estão numa ação de incidência junto aos poderes executivos, poder judiciário e iniciativa privada com vista alerta para fatos identificados nas cartografias sociais.